Amparada por decisão da Justiça, família cobra a retirada de invasores que destruíram floresta

Terreno foi invadido ano passado em Alto Santo Antônio às margens da Reserva Augusto Ruschi. Família proprietária tem liminar desde julho, mas segue sem poder usar área.

8 de novembro de 2022
atualizada em 9 de novembro de 2022
Uma das áreas desmatadas pelos invasores em terreno da família de Luciano Lírio em Alto Santo Antônio. Foto: Divulgação/Idaf
Uma das áreas desmatadas pelos invasores em terreno da família de Luciano Lírio em Alto Santo Antônio. Foto: Divulgação/Idaf

Mesmo com liminar expedida pela reintegração de posse há mais de três meses à família de Luciano Lírio dos Santos , o terreno de 54,3 hectares às margens da Reserva Biológica (Rebio) Federal Augusto Ruschi, em Santa Teresa, segue alvo de invasores.

Representante legal e sobrinha de Luciano, Deleuza do Nascimento, diz que depende da mobilização do Judiciário, do Ministério Público e das forças policiais para fazer valer a decisão, pois alega risco à sua integridade física e de seus parentes por conta de ameaças vindas dos invasores, que desmataram parte da propriedade e tentam vendê-la em parcelas menores, aproveitando o boom do mercado de sítios, chácaras e condomínios nas montanhas.

O terreno fica no km 7 da estrada de Alto Santo Antônio e foi invadido em julho de 2021, segundo Deleuza, três anos após seu tio Luciano, nascido e criado no local, ter que deixar a propriedade por problemas de saúde.

De acordo com a sobrinha, Luciano tem esquizofrenia e, nos últimos anos, também foi diagnosticado com mal de parkinson. Situação que ela acredita ter ajudado a estimular a ação dos invasores. Atualmente Luciano tem 80 anos e está sob os cuidados da família numa cidade da Grande Vitória.

“Desde que meu tio precisou sair, mantivemos o terreno limpo e íamos com frequência lá, mas essa frequência reduziu com a pandemia. Havia três meses que não íamos ao terreno, quando nossos vizinhos nos falaram da invasão. Imediatamente fomos atrás dos meios legais para reaver a posse e finalmente conseguimos a liminar em 29 de julho deste ano”, relata Deleuza.

Ela conta que há um mês a advogada da família comunicou a Vara Única de Santa Teresa que essa liminar não está sendo cumprida pelos invasores. "Fiz um Boletim de Ocorrência (BO) na delegacia de Santa Teresa. O Ministério Público também foi informado e deve estar aguardando a comunicação do BO por parte da delegacia. Não entendo o porque de tanta demora das autoridades. Quanto mais o tempo passa, pior fica nossa situação”, desabafa Deleuza.

Augusto Ruschi e descendentes de indígenas

Deleuza conta que a família vivia há décadas na propriedade, que tnha pelo menos metade da área coberta por Mata Atlântica. Floresta que é contígua à da Rebio Augusto Ruschi.

“Minha avó era descendente de indígenas e vivia onde hoje é a reserva. Foi o próprio Augusto Ruschi que a convenceu a sair de lá para formar a reserva e conseguiu para nós esse terreno. Acho que a ideía do Ruschi era deixar pessoas que iriam preservar a mata em torno da reserva. E nesse terreno, minha avó e meu avó tiveram e criaram seus filhos. Depois da morte dos meus avós, meu tio ganhou o direito de posse e continuou lá até 2018, vivendo ao todo mais de 70 anos ali. A irmã dele, que é minha mãe, também é viva, mas veio morar na cidade há mais tempo”, frisa Deleuza.

Ainda segundo Deleuza, o terreno tem registro no Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em nome do avô dela, José Lírio dos Santos. “Isso inclusive está no processo”, acrescenta.

Devastação, casa derrubada, acusação de roubo e outra vitória judicial

Deleuza conta que quando os invasores chegaram, em julho do ano passado, era um grupo de 20 pessoas, lideradas por Jonas Luiz de Alvarenga. Ela fala que parte do terreno foi desmatado, inclusive em área da Rebio, já que os invasores nem sabiam dos limites da propriedade. Veja abaixo um dos vídeos feitos durante o início da invasão em julho de 2021. 

“Plantaram roça de milho, feijão. Caçaram no terreno e dentro da reserva. Destruíram a casinha de meus avós, que meu tio morava, roubaram tudo o que tinha dentro. “Passado um tempo, esse pessoal brigou por discordar da divisão das áreas. Deu até tiro entre eles e alguns foram embora. Mas esse Jonas ficou e está lá até hoje. Ele não mora no terreno, mas vai com frequência para mexer nas plantações. Ele alega que comprou o terreno do meu tio há 20 anos, mas nunca apresentou comprovante disso. Esse Jonas entrou na Justiça pedindo usucapião contra nossa família e perdeu o processo”, destaca Deleuza.

Assista a seguir um segundo vídeo da ação dos invasores no terreno.

A reportagem teve acesso à decisão judicial, datada de 15 de março de 2022, que negou o usucapião à Jonas. Na sentença, o titular da Vara Única de Santa Teresa, Alcemir Pimentel, alega que Jonas não conseguiu reunir documentos que comprovassem a posse do terreno e nem que vivia lá por cinco anos. O juiz acrescentou ainda que o tamanho da área pleiteada por Jonas ultrapassa o limite legal para esses casos.

Vale lembrar que na liminar de reintegração de posse à família de Deleuza, são citados como invasores, além de Jonas Luiz de Alvarenga, Jackson Cerchi Alvarenga, Carlino Bernadino, Arlindo 'Negão', Maicon Coronat e Irineu Coronat.

Mais personagens, cartório e suspeita de ação coordenada

Mas além dos já citados, há outros dois personagens no caso: Aldiran Neto Rodrigues e Guaraciara Calmon. De acordo com Deleuza, o primeiro também reivindica a posse do terreno.

“Esse Aldiran alega que comprou o terreno do meu avô José Lírio há 40 anos. Mas nunca apresentou documento. O mais estranho que investiguei que o Aldiran tinha 16 anos na época em que ele diz ter comprado do meu avô. A Guaraciara eu descobri porque o advogado dela veio me procurar oferecendo serviço. Achei estranho. Foi quando fiquei sabendo que ela era escrivã no Cartório Calmon, lá em Praia Grande em Fundão, e estaria preparando documento do terreno em favor dos invasores”, conta* Deleuza.

* Veja atualização das informações desse parágrafo ao final da matéria

Ainda de acordo com Deleuza, o cartório Calmon fechou entre 2021 e toda a documentação está agora no Cartório Coriolano, que fica em Jacaraípe, na Serra. “Testemunhas me disseram que a Guaraciara foi lá no terreno. Mas o advogado dela a desmascarou. Supeitamos que minha família esteja sendo vítima de uma ação coordenada para nos roubarem o terreno, com envolvimento de gente que atua na Serra, Santa Teresa e Fundão”, denuncia.

Batalha jurídica e meio ambiente

Deleuza destaca que logo após a emissão da liminar em favor da posse da terra à sua família, os invasores entraram com ação questionando a decisão. “O juiz não pode acolher esse questionamento, porque liminar não se questiona em 1ª instância”, argumenta.

E além da questão fundiária, há também problemas com órgão ambientais. “O Idaf (Instituto de Defesa Agrocuária e Florestal do ES) apontou 17 infrações por desmatamento desde o início na invasão e também embargou a ação dos invasores. Se fosse meu tio que tivesse feito o desmate, estaria sendo processado. Então peço ao Idaf que faça valer o embargo, eles já tem toda a documentação comprovando que estamos sendo vítimas de uma invasão e não temos nada a ver com esse desmatamento”, desabafa Deleuza.

Por fim Deleuza diz que espera retormar a propriedade para plantios visando a complementação da renda da família – inclusive do seu tio Luciano Lírio que ela afirma receber aposentadoria modesta – e preservar as florestas que cobrem ainda boa parte do terreno.

“Esse é o sonho do meu tio, hoje ele nem sabe direito o que está acontecendo. A gente não pode contar, devido a doença dele. Se ele souber que destruíram boa parte, pode até morrer”, conclui.

* Atualização dessa reportagem 

 Logo após a públicação desta matéria, Deluza informou ter recebido uma informação nova de sua advogada: A de que Aldiran Neto Rodrigues acrescentou recentemente ao processo que corre na Vara Única de Santa Teresa um documento de compra e venda da propriedade datado de 1978, que teria sido assinado pelo avô de Deleuza, José Lírio.

"Acabei de ser informada, não vi o documento ainda. É estranho, porque vovô era totalmente analfabeto, não sabia assinar o nome e morreu também em 1978. Minha advogada não soube informar qual cartório foi registrado tal documento, mas se foi no Calmon, onde a Guaraciara era tabeliã, ou no Coriolano, para onde foram os documentos depois do fechamento do Calmon, quero que isso seja investigado. Minha família passou a vida toda lá e nunca foi procurada por esse Aldiran. Agora ele aparece na sequência dessas invasões dizendo que é dono? Além disso meu avó tinha a posse registrada no Incra como usufruto - e isso está no processo -, então não poderia vender", afirma Deleuza.

 

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