Cesan degradada margem de rio em que capta água para abastecer Grande Vitória

Empresa passou o trator na vegetação ciliar na região do Queimado, zona rural da Serra. Rio Santa Maria abastece Serra, Vitória, Cariacica e Fundão.

8 de setembro de 2022
atualizada em 8 de setembro de 2022
Vegetação da margem do rio foi destruída e solo exposto com uso de trator no local em que a empresa capta água para a Grande Vitória. Foto: Bruno Lyra 24/08/22
Vegetação da margem do rio foi destruída e solo exposto com uso de trator no local em que a empresa capta água para a Grande Vitória. Foto: Bruno Lyra 24/08/22

Principal fornecedor de água para a porção norte da Grande Vitória, o rio Santa Maria da Vitória teve suas margens degradadas perto da captação da Cesan no distrito do Queimado, zona rural da Serra. O flagrante da retirada de vegetação e exposição do solo em Área de Preservação Permanente (APP) do manancial foi feito no último dia 24 de agosto.

Num trecho ao longo de pelo menos 400 metros, logo abaixo da área da Cesan e paralelo ao rio, toda a vegetação foi arrancada com o uso de trator, deixando o solo exposto, sujeito à erosão e ao carreamento de sedimentos para o leito do Santa Maria. Apenas uma estreita faixa de árvores às margens do manancial foi mantida.

Sob o solo do local devastado, passa galeria subterrânea de concreto da Cesan que leva o líquido captado no rio para a Estação de Tratamento de Água (ETA) de Carapina e para o Complexo Industrial de Tubarão. Local que, exceto no assoalho do canal do concreto, já tinha vegetação em diferentes estágios de recuperação conforme mostram imagens recentes disponíveis no Google Earth.

De acordo com o artigo 4º da Lei Federal 12.651/12, o Código Florestal, a APP em todo o trecho deveria ser de 50 metros da margem do Santa Maria, uma vez que o rio tem leito com largura superior a 10 metros. Com as observações de campo, fotografias e imagens de satélite, a reportagem constatou que não foi respeitado o afastamento mínimo do rio. Veja o vídeo feito também no último dia 24.

Representante de fazenda aprova ação de concessionária

Vizinha ao local onde foi retirada a vegetação na APP do Santa Maria existe a Fazenda Larica, tradicional propriedade rural privada da Serra dedicada à pecuária. Segundo o representante da Fazenda, Fernando Larica, a retirada da vegetação foi feita pela Cesan para fins de manutenção/conservação da galeria.

Fernando disse ainda que as terras por onde passam a galeria foram desapropriadas pela empresa numa faixa de 50 metros de largura, com extensão de cerca de 4,2 quilômetros entre os tanques da captação no rio até às proximidades da BR 101 (Contorno de Vitória), onde o líquido é bombeado para a ETA de Carapina e para o Complexo de Tubarão (Vale e ArcelorMittal Tubarão).

“A limpeza (retirada da vegetação) que fizeram foi importante e necessária. Era necessária para a manutenção da galeria, o terreno ali é muito instável e pode acontecer o deslocamento do concreto. Tem um trecho que a galeria tinha até rachado, estava vazando água. Ficaram muito tempo sem fazer a manutenção, então comuniquei a eles a necessidade de limpar. Fizeram, colocaram estaca nova na cerca. E ajudou na segurança, estava entrando muita gente ali, escondendo droga, fazendo piquenique”, argumenta Fernando.

Terra solta à beira d’água

Outra situação é a destruição total, também com uso de trator, da vegetação que protegia a entrada do canal que desvia as águas do rio Santa Maria para a captação da Cesan. Pelas marcas no terreno, foi possível notar que também foi usado trator neste ponto em que havia até ingazeira, árvore ciliar típica da mata Atlântica.

O resultado é que ficou terra solta à beira d´’agua, num local sensível, onde o líquido é captado para atender milhares de pessoas. Além do claro descumprimento da legislação ambiental, a situação chama atenção também porque se tornou recorrente a suspensão do abastecimento de água para os moradores por excesso de barro no Santa Maria. O rio atende mais de meio milhão de pessoas, entre a maior parte dos moradores da Serra, parte continental de Vitória, bairros de Cariacica perto da Rodovia do Contorno e Praia Grande em Fundão.

Problema do excesso de barro é causado justamente pela falta de proteção do rio, que nos últimos anos também passou a sofrer com escassez do líquido durante as estiagens, como ocorre neste setembro de 2022. 

O excesso de barro também eleva os custos do tratamento da água. Vale lembrar que no dia em que esteve no local em 24 de agosto, a reportagem não avistou placas informando sobre existência de autorização dada pelos órgãos ambientais para a retirada da vegetação. Medida que é obrigatória por lei.

Município promete enviar fiscais ao local

Em nota, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma) da Serra informou que mandará uma equipe ao local avaliar a situação. Eis a íntegra da nota:

“A Fiscalização Ambiental vai encaminhar uma equipe ao local para verificar a situação. Confirmando a degradação ambiental, serão tomadas as medidas legais, que são a identificação do responsável e aplicação das penalidades previstas em Lei”.

A reportagem também entrou em contato com o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), mas não obteve retorno até o momento da publicação. Caso o Iema se manifeste, essa publicação será atualizada. 

Cesan diz que desmate foi necessário para manutenção do sistema de captação

Tempo Novo procurou a Cesan, que segundo Fernando Larica foi a responsável pela retirada da vegetação. A empresa enviou posicionamento em forma de nota. Confira a íntegra.

“A Cesan informa que o canal de captação do Rio Santa Maria recebe manutenção constante desde a sua inauguração, em 1980, para garantir os padrões de captação de água bruta. Essa manutenção consiste na retirada do excesso de vegetação que pode comprometer a operação do canal. Por se tratar de um solo majoritariamente rochoso, as manutenções não causam danos ao meio ambiente. A companhia ainda reforça que o local é de uso exclusivo dos funcionários e terceirizados da Cesan, sendo proibido o acesso de terceiros para outras finalidades”.

 

imagem de
Bruno Lyra
Jornalista especializado em coberturas ambientais e professor de geografia
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