Dobrou número de espécies ameaçadas de extinção no ES, aponta levantamento

Situação foi revelada por cientistas e ambientalistas nesta quarta (10) na Assembleia Legislativa. Grupo cobra do Estado mais políticas de proteção.

11 de agosto de 2022
atualizada em 14 de agosto de 2022
Destruição de mata ciliar flagrada em junho às margens do córrego Santa Lúcia, em Santa Teresa, para loteamento. Foto: Divulgação
Destruição de mata ciliar flagrada em junho às margens do córrego Santa Lúcia, em Santa Teresa, para loteamento. Foto: Divulgação

Praticamente dobrou o número de espécies nativas ameaçadas no Espírito Santo entre 2005 e 2019. É o que apontaram cientistas e ambientalistas durante reunião promovida pela Frente Parlamentar da Biodiversidade Capixaba na Assembleia Legislativa nesta quarta-feira (10). Eles também cobraram do Estado publicação do decreto com atualização da lista das espécies em risco.

Segundo o pesquisador do Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA), Antônio Freire, a lista oficial em vigor é de 2005. Nela são mencionadas 950 espécies em risco no Espírito Santo. Ocorre que, prossegue Antônio, cerca de 500 cientistas de todo país trabalharam na atualização da lista, chegando à conclusão que, em 2019, o número de espécies ameaçadas saltou para 1.874. Ou seja, praticamente dobrou em 14 anos.

Para a, também, cientista do INMA, Ana Carolina Rodrigues, é fundamental que cada estado tenha sua lista, pois se basear apenas na lista nacional feita pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) pode não dar a precisão sobre a real situação daquela espécie. Por exemplo, o grau de risco de extinção de um bicho como a onça pintada pode ser diferente no Estado do Amazonas, se comparado ao Espírito Santo, onde o felino está à beira do desaparecimento. Informação que importa para a elaboração de políticas públicas ambientais, desde concessão de licenças à programas de incentivo de recuperação ambiental, passando pela definição de áreas para implantar novas reservas naturais.

ES é recordista e tem degradação recente e acelerada

Ana Carolina lembrou que na lista de 2019 feita pelos pesquisadores mas ainda não oficializada pelo Estado, das 1.874 espécies, 444 são da fauna (animais) e 1.430 da flora (plantas). A pesquisadora alerta que o Espírito Santo é recordista em espécies ameaçadas por quilômetro quadrado do Brasil e que “o processo de destruição é recente e acelerado”, sendo o setor de rochas ornamentais um dos responsáveis pelo agravamento da situação.

Loteamentos nas montanhas, expansão urbana, viária e logística no litoral; caça, pesca e espécies exóticas

Vale destacar que ao lado da mineração, a Mata Atlântica tem perdido área, principalmente nas montanhas, como as de Santa Teresa, para o avanço do mercado de sítios, chácaras e condomínios em terrenos rurais.

No litoral, aterros de brejos e desmate de florestas para expansão urbana e de empreendimentos logísticos, também, contribuem para a redução de habtats naturais.

Há pressão para novas áeras de pastagem, sobretudo com a valorização da carne bovina, situação que se observa tanto no entorno da Grande Vitória, como em quase todas as demais regiões do Espírito Santo.

Outro fator de mortante de animais silvestres são os atropelamentos em rodovias sem túneis ou pontes de fauna e a presença cada vez maior de animais domésticos e de outras espécies exóticas em ambientes naturais. A isso se soma caça ilegal e pesca predatória. Assim como o tráfico de animais e plantas nativas.

Onça, saíra e jacaré perto do fim no Espírito Santo

Do Instituto Marcos Daniel (IMD), Yhuri Cardoso Nóbrega, ressalta que, em 14 anos, o número de espécies ameaçadas dobrou. Para eles algumas provavelmente vão sumir em até duas décadas se não forem implementadas, com urgência, políticas públicas que efetivamente consigam protegê-las.

Yhuri mencionou que dentre os animais com risco no Espírito Santo estão a saíra-apunhalada (um tipo de passarinho), a onça-pintada e o jacaré-de-papo-amarelo. Ele pediu que os recursos do Fundo Estadual do Meio Ambiente sejam colocados à disposição da preservação das espécies. “Tem milhões em recursos parados justamente para esse fim [preservação]. As espécies estão sumindo e o dinheiro que é para elas está parado”, criticou.

Governo diz que setor pesqueiro atrasou lista

Ainda, na reunião, representantes do governo tentaram justificar o atraso no decreto com a atualização da lista. Segundo gerente de recursos naturais do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA), Rodolpho Torezani Netto, o decreto atualizado está na Procuradoria-Geral do Estado (PGE) para a análise jurídica.

Houve atraso por conta do setor pesqueiro. É um estudo e a partir disso teremos condições de ter planos de conservação ou outras ferramentas. A fauna e a flora serão atualizadas, mas os recursos pesqueiros continuarão na lista anterior”, destacou Torezani.

Já Anderson Ferrari, da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEAMA), afirmou que após a publicação da lista será montado um grupo com a Secretaria de Estado da Agricultura (SEAG), SEAMA e IEMA para discutir a questão pesqueira.

Do Instituto O Canal, Joe Barreto, afirmou ser preocupante a ausência de autualização dos recursos pesqueiros na próxima lista.

Pesquisador do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Cláudio Fraga, reafirmou a necessidade de publicação da lista atualizada e sugeriu a formatação de uma lei prevendo a periodicidade de revisão da mesma e a utilização de metodologia adotada internacionalmente.

Secretário estadual de Meio Ambiente, Fabrício Machado

A reportagem procurou, via assessoria de imprensa, o Secretário de Meio Ambiente do ES, Fabrício Machado, para saber se há data prevista para a publicação do decreto com a atualização da lista de espécie ameaçadas. Convergente questionou também se o Estado pretende adotar estratégias para tentar conter o avanço do risco de extinção de espécies nativas a partir da atualização. Se obtiver retorno de Fabrício, atualizará esta matéria.

Na última sexta-feira (12) o Iema enviou nota ao Convergente dando mais informações sobre a questão. Confira ao final deste texto. 

Fogo amigo

Mesmo sendo da base do governo de Renato Casagrande (PSB), o presidente da Frente Parlamentar, o deputado Fabrício Gandini (Cidadania) criticou o Executivo. Para ele, a lista não deveria vir em forma de decreto, mas de lei. Justificou sua posição dizendo que isso daria mais peso legislativo.

Por fim, Gandini prometeu elaborar proposta legislativa sobre prazo de revisão e método adotado na construção do documento de animais em extinção. E ainda, uma forma de os recursos do Fundo Estadual de Meio Ambiente serem vinculados às espécies ameaçadas. O deputado concluiu anunciando a organização de força-tarefa para conversar com os atores estaduais com objetivo de agilizar a publicação da lista.

Também, participaram do encontro Gabriella Pizetta, do ICMBio; Adaílton Gonçalves Pinheiro, da Associação dos Meliponicultores do Espírito Santo (AME-ES); Iasmin Macedo e Leonardo Merçon, do Instituto Últimos Refúgios; Bárbara Fim, do Instituto Reluz; Carmem Barcellos, do Movimento Salve o Parque; Luis Felipe Mayorga, do Instituto de Pesquisa e Reabilitação de Animais Marinhos (Ipram); e Claudinei Rocha, do Instituto Brasileiro de Fauna e Flora (Ibraf).

Com informações de conteúdo publicado pela assessoria de imprensa da Assembleia Legislativa

Nota do Iema enviada à reportagem na sexta-feira (12)

"O Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA), órgão responsável pela coordenação e gestão da fauna no Espírito Santo, informa que o decreto, que vai declarar a Lista Estadual Oficial de Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção, está na fase de formatação para aprovação e publicação.

Com a nova lista, será possível nortear ações para manejo e conservação das espécies e dos habitats que elas ocupam, ampliando a proteção das espécies e, de forma secundária, para as áreas de ocorrência dessas espécies listadas, incluindo a proibição de coleta, corte, (captura), transporte, armazenamento, manejo, beneficiamento e comercialização, dentre outras medidas, salvo nos casos autorizados pelo órgão competente.

Com relação à listagem de peixes e invertebrados aquáticos, será mantida a mesma listagem já existente no Decreto Estadual Nº 1499-R/2005. E após publicação do decreto, será construído um grupo de trabalho multi institucional para elaboração do plano, visando regulamentar ações de conservação e manejo sustentável para as espécies identificadas como sendo de importância socioeconômica.

O Iema esclarece que o aumento do número de espécies na lista é decorrente do desenvolvimento e melhoria das metodologias de pesquisa para identificação de novas espécies no Estado, que quando descobertas já são catalogadas com poucos espécimes, ou seja, entram na lista por não ter uma grande representatividade de população.

Em processos de reversão desta realidade, planos de conservação são fundamentais pois será possível estabelecer medidas e manejos para diminuir os impactos frente aos ecossistemas ameaçados, visando aumentar as populações destas espécies - Nota do Iema.

 

imagem de
Bruno Lyra
Jornalista especializado em coberturas ambientais e professor de geografia
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