Destruição de matas e nascentes em Alto Santo Antônio ameaça rio do Vale do Canaã

Implantação desordenada de loteamentos, chacreamentos e condomínios na zona rural segue deixando rastro de impactos no meio ambiente de Santa Teresa

15 de julho de 2022
atualizada em 6 de agosto de 2022
Aterro em área de preservação permanente em Santo Antônio em Santa Teresa ES
Aterro em área de preservação permanente em Santo Antônio em Santa Teresa ES

Cenário de devastação. É o que se vê em Alto Santo Antônio, um dos lugares até então mais preservados da Mata Atântica em Santa Teresa. O motivo é a expansão imobiliária desordenada de sítios, chácaras, loteamentos e condomínios em terrenos rurais. Situação que coloca em risco um dos mais importantes rios de Santa Teresa, no Espírito Santo: o Cinco de Novembro, provedor da cada vez mais escassa água das comunidades do Vale do Canaã.

A degradação é escancarada e pode ser vista às margens da estrada que liga o Centro de Santa Teresa à Alto Santo Antônio. Numa delas há obras para a implantação de um condomínio, onde houve escavação de nascentes, derrubada de Mata Atlântica e implantação de lagos artificiais sem qualquer proteção nas margens. O solo está totalmente exposto após passarem trator nas encostas, deixando a terra sujeita à erosão e cursos d’água vulneráveis ao assoreamento.

Noutro ponto, já mais próximo do campo da comunidade de Alto Santo Antônio, aterros avançam na várzea e já se aproximam das duas margens do rio Cinco de Novembro, não respeitando a distância mínima da Área de Preservação Permanente (APP).

Há, também, platôs sendo abertos no meio da mata e muito perto do rio. E o exemplo de um condomínio, já consolidado e repleto de casas, num local onde as imagens de 2009 do Google Earth mostram que no local havia mata Atlântica. Um dos sitiantes desse condomíno, inclusive, fez um lago artificial e passou a criar peixes na nascente que abastece a antiga comunidade de Alto Santo Antônio, gerando reclamações de poluição da água por parte dos moradores.

Reserva Biológica Augusto Ruschi na mira

Próximo à região da degradação fica a Reserva Biológica Augusto Ruschi, que com seus 3,5 mil hactares é a maior área pública de mata Atlântica preservada na região centro serrana do ES. A Reserva é adminstrada pela União e leva o nome do cientista e ambientalista teresense Augusto Ruschi (1915 – 1986), considerado o patrono nacional da ecologia, cuja luta pela preservação da natureza é reconhecida mundialmente.

A pressão imobiliária em Alto Santo Antônio é, ao lado da caça ilegal e das queimadas, mais uma ameaça para a Reserva.

Patrimônio, Barracão e São Roque

Depois de percorrer as montanhas de Alto Santo Antônio, as águas do rio Cinco de Novembro tombam a serra rumo ao Vale do Canaã, sendo essenciais para irrigação, pecuária e abastecimento da comunidade de Patrimônio (Santo Antônio do Canaã). Pouco abaixo, chegam ao rio Santa Maria do Rio Doce. Este percorre e abastece São João de Petrópolis (Barracão) e o Centro do município de São Roque do Canaã, indo cair no rio Doce em Colatina.

O Cinco de Novembro é o principal afluente do Santa Maria do Doce. E esta é uma bacia hidrográfica em terras que estão em processo de desertificação em decorrência do intenso desmatamento ocorrido ao longo do século XX.

O morador de Patrimônio e ativista comunitário José Roberto Netto, o Bebeto, lembra que há três anos o Cinco de Novembro secou completamente durante a estiagem e por pouco não paralisou completamente a fábrica de laticínios Fiore, principal empregadora da comunidade. Segundo ele, Patrimônio tem hoje cerca de 3, 5 mil moradores que dependem do rio.

Na superseca de 2016 as comunidades de Patrimônio, Barracão e São Roque chegaram a depender de carro pipa porque o rio secou.

Deputado aciona a Polícia Ambiental

A destruição ambiental em Alto Santo Antônio provocada pela expansão imobiliária desordenada é alvo do deputado estadual Sérgio Majeski (PSDB), que acionou a Polícia Ambiental para verificar a situação a pedido da ONG Juntos SOS ES Ambiental, dirigida pelo Engenheiro Químico e ambientalista Eraylton Moreschi.

Prefeitura diz que fiscaliza e embarga atividades ilegais

Em nota, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente diz que trabalha para reprimir irregularidades embargando atividades em desacordo com a legislação ambiental e remetendo ao Ministério Público. Mas não falou das situações específicas flagradas em Alto Santo Antônio. Leia a íntegra da nota.

A Secretaria Municipal de Meio Ambiente realiza de forma habitual fiscalização no município. Todas as áreas em que é verificado em vistoria a movimentação de solo em desacordo com a legislação em vigência, o proprietário é notificado quanto a paralisação e embargo da atividade e todo procedimento é encaminhado ao Ministério Público, a fim de que se tome as medidas judiciais cabíveis. - Nota da Prefeitura

A reportagem também acionou o Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do ES (IDAF) e Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA), mas até o momento desta publicação, não havia recebido retorno.

E como são diversos os pontos de degradação retratados neste reportagem, não foi possível identificar todos os responsáveis. Por isto, optou-se em não divulgar nomes de pessoas físicas e jurídicas ligados aos projetos imobiliários degradadores.

Município e vizinhos das montanhas vivem sequência de crimes ambientais ligados ao mercado imobiliário

Nos últimos anos intensificou-se a busca por terrenos rurais para implantação de sítios, chácaras, loteamentos e condomínios nas montanhas. O problema é que alguns agentes desse mercado acabam adentrando áreas de florestas, nascentes e parcelando o solo rural além do que a legislação permite, gerando impactos negativos.

Tanto, que em maio, o governo do estado deflagrou a Operação Curupira para tentar coibir essas práticas. E há duas semanas, em ação conjunta com município, Ministério Público e IBAMA, flagrou crimes ambientais em sequência no circuito do Caravaggio.

Outras regiões de Santa Teresa, também, têm efrentando problemas semelhantes: Penha, Valsugana Velha, Santa Lúcia, Alto São Lourenço, por exemplo.

imagem de
Bruno Lyra
Jornalista especializado em coberturas ambientais e professor de geografia
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