Abaixo-assinado pede retomada de parque público doado ao Sesc em Santa Teresa

Doado pelo Governo do Estado em 2010 à entidade do Sistema S, o terreno onde seria feito o Parque Ecoturístico e que abriga a antiga casa do governador segue gerando polêmica

16 de fevereiro de 2022
atualizada em 21 de fevereiro de 2022
O totem e o pórtico do Parque Ecoturístico erguidos pela Prefeitura com recursos federais. No final de 2010 o Governo do ES doou a área para o Sesc. Foto: Google Street View
O totem e o pórtico do Parque Ecoturístico erguidos pela Prefeitura com recursos federais. No final de 2010 o Governo do ES doou a área para o Sesc. Foto: Google Street View

Moradores e ativistas de Santa Teresa estão dando continuidade ao movimento iniciado em 2013, fazendo um novo abaixo-assinado pela internet para que a área verde com cerca de 100 mil m2 doada para o Sesc (Serviço Social do Comércio) construir um hotel na entrada da cidade seja retomada pelo poder público. Até o momento, considerando as duas fazes do movimento, o número de assinaturas somadas já ultrapassam a marca de 1.500, unindo forças comunitárias, ONGs e ambientalistas. O movimento “Salve o Parque” leva esse nome porque na localidade deveria estar funcionando o Parque Temático Augusto Ruschi, também chamado de Parque Ecoturístico de Santa Teresa.

Os organizadores do abaixo-assinado pretendem entregar o documento ao Minstério Público para que este provoque a Justiça com o objetivo de reverter a doação.

Localizado ao lado da escola municipal Ethevaldo Damázio, o terreno possui remanescentes de fauna e flora da mata Atlântica, é cortado pelo rio Timbuí e abriga o casarão de oito cômodos erguido no final da década de 1960 para ser a residência de inverno do governador.

Mas, em 2004, o Estado cedeu o imóvel e o terreno para a Prefeitura de Santa Teresa que, com recursos próprios e também do Ministério do Turismo, investiu mais de R$ 1 milhão em estrutura física para implantar o Parque Temático Augusto Ruschi. As obras referentes a este investimento foram concluídas em outubro de 2010.

Ocorre que, no final daquele mesmo ano e após os investimentos públicos realizados, o Governo do Estado, com a concordância da Prefeitura, doou o terreno e a casa do governador para o Sesc. O ato da doação está na Lei nº 9.606, de 27 de dezembro de 2010. Nela ficou estabelecido que o terreno e a casa não podem ser destinados à outra função senão a de turismo e lazer. Quando ocorreu a doação ao Sesc, Paulo Hartung era o governador e Gilson Amaro, morto em 2021, era o prefeito.

Impacto ambiental e social do hotel

Santa Teresa é uma cidade turística que atrai por suas belezas naturais, história, cultura e gastronomia. O principal interesse do Sesc no local é a construção de um hotel. Mesmo assim tal projeto sucita questionamentos da comunidade local, uma vez que o município já possui rede consolidada de hotéis e pousadas de pequeno porte.

“Ocorre que (o terreno) se trata de uma área florestal que por si só não pode ser desmatada tão facilmente. O Sesc é uma instituição que atua em benefício dos comerciários com atividade de massa mas, como se sabe, abre as portas para particulares. E isso seria deletério para o mercado tradicional local. Restaurantes, bares, pousadas, cafés, etc, cederiam lugar para os serviços do Sesc, como visto em outras localidades”, avalia o morador Apolônio Cometti.

Apolonio disse que isso geraria impactos negativos para a comunidade local. “Não consigo enxergar interesse social nisso. Desapareceria o ambiente bucólico e atrativo de Santa Teresa. Foi assim em alguns estados que pesquisei na época. Será um prejuízo para o local” assevera.

Só capina de 2010 para cá

Mais de 11 anos após a doação do terreno ao Sesc, nenhuma obra foi feita no terreno desde então. Apenas capinas periódicas. Não há controle de acesso nem vigilância na parte do terreno, onde deveria estar funcionando o parque. Apesar disso, ainda existem o totem (reformado) e pórtico (em ruínas) na entrada, estrutras erguidas pela Prefeitura em 2010 quando a mesma tinha a posse do imóvel.

O morador de Santa Teresa, José Carlos Lima, trabalhou no local nesta época. Segundo ele, havia vigilância e estufas para plantas construídas pela Prefeitura na implantação do Parque Ecoturístico.

“Tínhamos três trilhas, orquídeas, várias outras plantas, frutas, muitas espécies de pássaros, macacos, lagartos. Havia duas represas, uma piscina em forma de feijão, que depois teve parte dela aterrada. A casa tinha camas, colchões, mesa de vidro, dentre outros pertences históricos”, enumera José Carlos.

Segundo o morador, atualmente a casa já não tem mais mobília. E ninguém sabe aonde foi parar. Já as estufas das plantas foram desmontadas. Não se sabe se ainda na gestão da Prefeitura ou após a doação da área para o Sesc.

“É mais do que justa a devolução para a população”

Morador de Santa Teresa e ativista político, Aristeu Bolonha, apóia a proposta de retomada da área. “É mais do que justa a devolução para a população de Santa Teresa, que não tem uma área pública de lazer. Por outro lado, o sistema S (do qual faz parte o Sesc) recebe muito dinheiro do governo federal, através de renúncia fiscal, para dar treinamento e oferecer outros serviços à sociedade. Mas não faz um trabalho suficiente, que seja proporcional ao que recebe. E boa parte dos gestores do sistema S são ricos”, afirma.

Aristeu, que trabalhou na Prefeitura de Santa Teresa entre 2013 e 2016, disse que a Controladoria Geral da União (CGU) chegou a pedir a devolução do dinheiro enviado ao município pelo Ministério do Turismo para a implantação do Parque Ecoturístico. Porém não soube informar se o recurso foi devolvido. 

“Aula de deseducação democrática”

Advogado que está prestando assessoria para o Movimento Salve o Parque, André Moreira, disse ter estranhado a doação da área pública para o Sesc sem que fosse aberta concorrência. André acrescenta que, apesar de prestar serviços sociais e receber recursos públicos, o Sesc é uma pessoa jurídica de direito privado. 

“Ningém de nós pode decidir o que o Sesc vai fazer. O que o governo fez foi pular uma etapa ao fazer a doação. Além disso a lei federal estabelece que deve haver audiência pública nesses casos, o que não ocorreu. Ainda iremos aprofundar os aspectos jurídicos dessa doação, mas dá para dizer que, do ponto de vista político, foi uma aula de deseducação democrática”, frisa André. 

Para o advogado, mais interessante do que a área voltar para as mãos do Estado ou da Prefeitura, seria se a própria sociedade civil conseguisse gerir o espaço através da uma Ong ou Oscip.

Processo movido por André Ruschi

Em 2013, um grupo de ativistas, dentre eles o biólogo André Ruschi (morto em 2016), que era filho de Augusto Ruschi (1915-1986), moveu Ação Pública contra o Estado, Paulo Hartung, Gilson Amaro e o Sesc. Na peça os autores pediam a anulação da doação e condenação dos agentes públicos por improbidade administrativa.

Mas em decisão assinada pelo juiz Alcemir dos Santos Pimentel, da Vara Única de Santa Teresa, Hartung e Gilson foram absolvidos. E foi mantidade a doação do terreno ao Sesc, na condição de que a instituição transforme a casa do governador em museu e faça o Parque Ecoturístico. Também libera a construção do hotel, desde que não prejudique a casa nem o parque. Contudo, a decisão, datada de dezembro de 2017, é parcial e o processo segue em aberto.

Consultor do Congresso Nacional para a redação do artigo 225 da Constituição de 1988, André Ruschi seguiu os passos do pai, Augusto, na luta pela preservação da natureza. Tanto que André também trabalhou como consultor de duas CPIs da Assembléia Legilativa do ES que investigaram os malefícios do 'pó preto' e outros poluentes da Vale e da ArceltorMittal Tubarão (ex-CST) à saúde da população capixaba.

André tocou ainda a Estação de Biologia Marinha em Santa Cruz, projeto hoje cuidado por seu filho Gabriel, que também é co-autor da ação contra a doação do Parque Ecoturístico.

A família Ruschi descende de imigrantes italianos vindos para a região de Santa Teresa entre o final do século XIX e início do século XX. Com trabalho reconhecido mundialmente, Augusto Ruschi é considerado patrono nacional da ecologia. Deixou imenso legado para Santa Teresa, dentre eles duas grandes reservas ambientais, além do Museu de Biologia Melo Leitão – um dos principais atrativos turísticos da cidade e hoje sede do Instituto Nacional da Mata Atlântica.

Sesc confirma que irá fazer hotel e não pretende devolver área

Em nota encaminhada à reportagem nesta quarta-feira, o Sesc afirmou que não pretende devolver o terreno. E que construirá o hotel. Revelou, no entanto, que ainda está esperando a emissão da Licença Ambiental de Instalação (LI) por parte da Prefeitura de Santa Teresa.

O Sesc revelou, também, que ainda não conseguiu registro da transferência do imóvel. A pendência, segundo a instituição, acontece porque nos documentos do terreno não consta averbação das construções existentes, o que no entender da instituição seria obrigação do Governo do Estado.

Ainda na nota, o Sesc questiona a legitimadade do abaixo-assinado e das reivindicações do Movimento Salve o Parque. Acrescenta que quando recebeu o terreno do Estado ele estava em situação de abandono e que desde então vem dando manutenção no espaço.

Por fim, o Sesc disse que quem quiser conhecer o projeto do hotel deve procurar a Prefeitura de Santa Teresa, onde foi protocolado o pedido de licenciamento ambiental. E que não apresentaria esse projeto à reportagem porque podem haver alterações em função de eventuais mudanças nas exigências ambientais por parte do município.

Prefeitura diz “não ter legitimidade” para reivindicar imóvel

Através de nota divulgada por sua assessoria de imprensa, a Prefeitura de Santa Teresa afirma não possuir legitimidade acerca do imóvel, bem como de sua administração. Diz ainda que a área nunca pertenceu ao município de Santa Teresa.

Contudo, admitiu que chegou a fazer a gestão do terreno e da casa do governador entre 2005 e 2010. Veja a íntegra do posicionamento da Prefeitura.

Em respeito à solicitação por parte do portal eletrônico de opinião Convergente News a respeito de uma área no Município de Santa Teresa, hoje pertencente ao SESC, cabe-nos informar que:

Tendo como base o Processo de nº 0002238-07-2013.8.08.0044, temos a informação de que a área em questão nunca pertenceu ao município de Santa Teresa, tendo sido doada por Aurelio Gramilich, em 15 de setembro de 1967 ao Estado do Espirito Santo para ser construída, em seu interior, uma Residência de Verão para o Governador do Estado.

A área em questão foi cedida pelo Governo do Estado, com anuência da Assembleia Legislativa, em cessão de uso para o município no ano de 2005, com objetivo de se construir neste local um Parque Temático.

No ano de 2010, tal cessão foi cancelada, retornando o imóvel para posse do Estado, quando então foi realizada a doação, por parte do Estado para o SESC, por meio da Lei n° 9.606/2010.

Quanto ao tema, existe em trâmite, uma Ação Popular sob nº 0002238-07-2013.8.08.0044, a qual discute a existência do Parque, bem como a legalidade quanto ao processo de doação. Nos autos do processo supracitado, existe um dispositivo que determina que o SESC mantenham o Parque temático, bem como a casa do Governador de Memória ao Ex-Governador, sem prejuízo de Construção do Hotel Senac, ficando desde então autorizado a tomarem as medidas necessárias para a sua efetivação.

Portanto o município não possui legitimidade a cerca do imóvel, bem como da sua administração.

"A Seger destaca que oprocesso de doação cumpriu todas as exigências determinadas pelo Decreto Nº 1110/2002"

Em resposta ao Convergente o Governo do Estado expediu a seguinte nota:

A Secretaria de Gestão e Recursos Humanos (Seger) informa que o Estado adquiriu o referido imóvel em 1967, por doação de particulares. De 2005 a 2010, o espaço estava cedido ao Município de Santa Teresa, para funcionamento de um centro de treinamento de educação em meio ambiente.

Em março de 2011, ele foi doado pelo Estado ao SESC. A doação foi autorizada pela Lei Nº 9606/2010 com a condição de destiná-lo para a construção de um hotel e a instalação de projetos de turismo e lazer. Todavia, sem estabelecer prazo.

A Seger destaca que o processo de doação cumpriu todas as exigências determinadas pelo Decreto Nº 1110/2002, vigente à época, o qual não estabelecia a necessidade de realização de audiência pública. E esclarece que a reversão da doação ocorre nos casos em que o imóvel recebe destinação diferente da que foi acordada em Lei.

imagem de
Bruno Lyra
Jornalista especializado em coberturas ambientais e professor de geografia
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